Páginas

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Um mundo de crédulos

Pesquisadores buscam entender as crenças no sobrenatural. Contextos culturais e familiares explicam.
 
Todo mundo conhece um caso de fantasma, geralmente contado por alguém capaz de jurar sobre a vida da própria mãe que não está inventado a história. Ou já ouviu relatos da aparição de extraterrestres que, vez por outra, resolvem raptar humanos e levá-los para suas naves espaciais. A crença no sobrenatural e no desconhecido resiste aos avanços da ciência, que, por sua vez, tenta entender por que as pessoas continuam acreditando em fatos que, do ponto de vista da razão, não fazem o menor sentido. Depois de investigar, inclusive com incursões a campo, alegados fenômenos parapsicológicos e sobrenaturais, além de ufológicos, o “papa dos céticos” Michael Shermer — colaborador da revista Scientific American e diretor da Skeptics Society, associação que reúne cientistas e leigos de todo o mundo e edita o periódico Skeptic — concluiu que essa é uma questão para a qual existem muitas respostas. Segundo ele, é preciso levar em conta fatores como influência da família, experiências educacionais, inclinações emocionais, contexto cultural, entre outros.


Doutor em história da ciência, mestre em psicologia e professor de diversos cursos universitários, Shermer sustenta a tese de que a crença no aparentemente inacreditável não tem qualquer relação negativa com instrução formal e inteligência. Ao contrário, garante, quanto mais inteligente, maior a capacidade de uma pessoa defender suas convicções. A ideia é que, por possuírem um raciocínio lógico afiado e um alto grau de senso crítico, esses indivíduos conseguem filtrar informações e encontrar justificativas que validem suas crenças, ao mesmo tempo em que descartam aquelas que vão na direção contrária.

De fato, se acreditar em fantasmas, bruxas e alienígenas fosse uma questão de inteligência, poderia-se dizer que a humanidade tem um QI bastante baixo. Michael Shermer cita uma pesquisa realizada pelo Instituto Gallup nos Estados Unidos, na década de 2000. Foi constatado que 42% dos entrevistados acreditavam em casas mal-assombradas, 50% em percepção extrassensorial, 38% em espíritos, 28% em comunicação com os mortos e 25% em reencarnação. Isso não significa, de acordo com o cientista, que as pessoas sejam ignorantes. “O mágico James Randi, uma das pessoas mais inteligentes que já conheci, diverte-se ludibriando vencedores do Nobel com as mágicas mais simples, pois sabe que a inteligência não está relacionada com a capacidade de discernir a mágica verdadeira por trás dos truques”, observa o autor de Pseudociência, superstição e outras confusões dos nossos tempos — por que as pessoas acreditam em coisas estranhas, cuja edição ampliada foi lançada recentemente no Brasil, com uma década de atraso (leia entrevista abaixo). 

Televisão Para Glenn Sparks, professor de comunicação da Universidade de Purdue, nos Estados Unidos, a grande quantidade de programas e filmes sobre anjos, alienígenas, bruxas e outras “coisas esquisitas” na televisão pode influenciar as pessoas a acreditarem nessas criaturas. Ele conduziu uma pesquisa telefônica aleatória com 120 moradores de uma pequena cidade do Meio Oeste, com o objetivo de investigar se a exposição a programas de tevê sobre fenômenos paranormais afeta a crença da população.

Sparks observa que a crença no sobrenatural é mais complexa do que possa parecer. “Concordo que fatores como idade, educação recebida, família e religião são as principais influências. Mas, depois de todas essas variáveis serem consideradas, a televisão entra como um elemento a mais. Eu diria que 10% da crença no paranormal está associada à tevê”, afirma. Como parte da pesquisa, os entrevistados foram convidados a concordar ou discordar de várias declarações que mediam sua tendência a acreditar no paranormal. Eles também foram questionados se já tinham experimentado qualquer coisa que pudesse ser considerada fora da realidade normal. Os pesquisadores também perguntavam sobre o grau de exposição a programas de televisão que, normalmente, apresentam temas desse tipo.

“Ficamos impressionados ao perceber que os fenômenos ditos paranormais eram uma crença muito comum entre os entrevistados. Por exemplo, mais de 50% acreditavam em fantasmas e quase 45% disseram acreditar em extraterrestres”, conta. De acordo com Sparks, o assunto não é algo novo na programação televisiva, mas a forma como é retratado mudou. “No passado, os programas eram mais em tom de comédia. Hoje, a tendência é levar a sério representações paranormais, tanto em seriados quanto em documentários. Esses programas do tipo Mistérios não resolvidos passam a impressão de serem bastante verdadeiros, porque não se apresentam como ficção, mas como documentários educativos. É o que chamo de infoainment (mistura das palavras information e entertainment; respectivamente, informação e entretenimento, em inglês)”, diz. 

Evolução Para Bruce Hood, diretor do Centro de Desenvolvimento Cognitivo da Universidade de Bristol e autor do livro Supersentido —por que acreditamos no inacreditável, (Editora Novo Conceito), durante o período evolutivo das espécies, a mente humana foi moldada para crer no sobrenatural. Isso porque as pessoas são movidas por padrões racionais, como não pisar no fogo para não se queimar ou olhar para os lados ao atravessar a rua para não ser atropelado. 

Qualquer coisa que fuja desse pragmatismo — coincidências, por exemplo — é interpretada pelo cérebro como algo muito estranho. Se alguém tem uma doença tida como terminal e consegue ser curado, a tendência é acreditar em milagres. Caso uma pessoa pense em outra, o telefone toque e, do outro lado da linha, seja ela, credita-se na conta da telepatia. “Da mesma forma, se há um barulho estranho e não se consegue identificar a origem, logo pensamos que nossa casa está assombrada. Esse é um terreno muito envolvente da pesquisa. Acredito que a tendência é que, cada vez mais, apareçam estudos sobre o assunto”, diz.

ENTREVISTA 

Michael Shermer psicólogo, historiador e escritor Pelo caminho da desconfiança
Autor de 12 best-sellers sobre ciência, Michael Shermer tornou-se, há três décadas, um especialista em investigar a crença no desconhecido. Ateu convicto, ele já chegou a acreditar que tinha sido abduzido por alienígenas, depois de uma situação de privação extrema de sono e desidratação. Sem ridicularizar nem questionar a inteligência de pessoas que acreditam no que prefere chamar de “esquisito”, ele aconselha que se duvide de absolutamente tudo. “Seja cético, mesmo quanto aos céticos”, diz, em entrevista ao Estado de Minas. 
O Brasil é uma terra de misticismo, com forte influência do cristianismo, do cardecismo e de rituais africanos. O senhor acha que seu livro será bem recebido aqui?
Não sei se meu livro será bem recebido, mas ele certamente é necessário e espero que os exemplos divertidos que exploro e o tratamento justo e balanceado que dou para todas as alegações sobre o sobrenatural e as superstições sejam considerados proveitosos para uma grande quantidade de leitores desse país maravilhoso.
O senhor já se deparou com alguma situação que não conseguiu compreender?
Sim. Lady Gaga. Não tenho explicação para ela. Ela é um mistério envolto em uma tortilha, com uma dose de apelo sobrenatural (risos). OK, falando sério, eu diria que a alteração dos estados de consciência, além do livre-arbítrio, continua um mistério, sendo esse último o mais interessante e importante de todos.
O que o senhor acha do fato de a parapsicologia ser reconhecida pela Academia Americana de Ciências?
Há muito tempo que a parapsicologia não é mais considerada uma área séria de estudo pela Academia Americana de Ciências. Eles aceitaram a afiliação décadas atrás (em 1969), durante o auge do movimento new age e do politicamente correto, quando era importante parecer acrítico e aceitar tudo de todos. Pouquíssimos cientistas veem a parapsicologia como uma ciência séria. Por quê? Depois de um século de experimentos, parapsicólogos têm quase nada a mostrar sobre suas pesquisas. Está na hora de seguir em frente e se concentrar nos grandes mistérios que já descrevi, como o estado de consciência alterada e o livre-arbítrio. 
Os crentes sempre citam os trabalhos do psicólogo Ian Stevenson como uma justificativa para a reencarnação. O que o senhor pensa sobre o trabalho dele?
Não acho nada demais. Muitos de seus dados vêm de relatos pessoais de pais que gostariam de acreditar que seus filhos são especiais — todos os pais querem acreditar nisso — e, uma vez que eles acreditam que seus filhos são reencarnação de alguma pessoa que morreu e eles sabem quem é essa pessoa, eles encontram provas que se encaixam nessa crença. Isso é o que chamamos de viés de confirmação, quando vamos atrás e encontramos evidências que confirmam aquilo em que já acreditamos, enquanto ignoramos provas que mostram o contrário. 

Hoje, com os avanços tecnológicos, é mais fácil desmascarar fraudes, como as de Uri Geller. O senhor acha que isso pode desencorajar pessoas que tentam enganar as outras com seus truques?
Não, acho que as fraudes continuam tão proeminentes e comuns como sempre foram, e talvez mais ainda graças à internet, uma ferramenta que pode servir para enganar as pessoas, fazendo com que acreditem em reivindicações fantasiosas que você coloca em uma página da web. O que acontece é que talvez estejamos mais vigilantes a respeito de vigaristas.
O senhor já duvidou de seu próprio ceticismo?
Você não deve acreditar em ninguém, nem em mim. Seja cético, mesmo quanto aos céticos. Pense em você antes de acreditar.
Paloma Oliveira, Estado de Minas, 01/05

Nenhum comentário: