Todo mundo conhece um caso de fantasma, geralmente contado por alguém capaz de jurar sobre a vida da própria mãe que não está inventado a história. Ou já ouviu relatos da aparição de extraterrestres que, vez por outra, resolvem raptar humanos e levá-los para suas naves espaciais. A crença no sobrenatural e no desconhecido resiste aos avanços da ciência, que, por sua vez, tenta entender por que as pessoas continuam acreditando em fatos que, do ponto de vista da razão, não fazem o menor sentido. Depois de investigar, inclusive com incursões a campo, alegados fenômenos parapsicológicos e sobrenaturais, além de ufológicos, o “papa dos céticos” Michael Shermer — colaborador da revista Scientific American e diretor da Skeptics Society, associação que reúne cientistas e leigos de todo o mundo e edita o periódico Skeptic — concluiu que essa é uma questão para a qual existem muitas respostas. Segundo ele, é preciso levar em conta fatores como influência da família, experiências educacionais, inclinações emocionais, contexto cultural, entre outros.
Doutor
em história da ciência, mestre em psicologia e professor de diversos cursos
universitários, Shermer sustenta a tese de que a crença no aparentemente
inacreditável não tem qualquer relação negativa com instrução formal e
inteligência. Ao contrário, garante, quanto mais inteligente, maior a
capacidade de uma pessoa defender suas convicções. A ideia é que, por possuírem
um raciocínio lógico afiado e um alto grau de senso crítico, esses indivíduos
conseguem filtrar informações e encontrar justificativas que validem suas
crenças, ao mesmo tempo em que descartam aquelas que vão na direção contrária.
De
fato, se acreditar em fantasmas, bruxas e alienígenas fosse uma questão de
inteligência, poderia-se dizer que a humanidade tem um QI bastante baixo.
Michael Shermer cita uma pesquisa realizada pelo Instituto Gallup nos Estados
Unidos, na década de 2000. Foi constatado que 42% dos entrevistados acreditavam
em casas mal-assombradas, 50% em percepção extrassensorial, 38% em espíritos,
28% em comunicação com os mortos e 25% em reencarnação. Isso não significa, de
acordo com o cientista, que as pessoas sejam ignorantes. “O mágico James Randi,
uma das pessoas mais inteligentes que já conheci, diverte-se ludibriando
vencedores do Nobel com as mágicas mais simples, pois sabe que a inteligência
não está relacionada com a capacidade de discernir a mágica verdadeira por trás
dos truques”, observa o autor de Pseudociência, superstição e outras confusões
dos nossos tempos — por que as pessoas acreditam em coisas estranhas, cuja
edição ampliada foi lançada recentemente no Brasil, com uma década de atraso
(leia entrevista abaixo).
Televisão
Para Glenn Sparks, professor de comunicação da Universidade de Purdue, nos
Estados Unidos, a grande quantidade de programas e filmes sobre anjos,
alienígenas, bruxas e outras “coisas esquisitas” na televisão pode influenciar
as pessoas a acreditarem nessas criaturas. Ele conduziu uma pesquisa telefônica
aleatória com 120 moradores de uma pequena cidade do Meio Oeste, com o objetivo
de investigar se a exposição a programas de tevê sobre fenômenos paranormais
afeta a crença da população.
Sparks
observa que a crença no sobrenatural é mais complexa do que possa parecer.
“Concordo que fatores como idade, educação recebida, família e religião são as
principais influências. Mas, depois de todas essas variáveis serem
consideradas, a televisão entra como um elemento a mais. Eu diria que 10% da
crença no paranormal está associada à tevê”, afirma. Como parte da pesquisa, os
entrevistados foram convidados a concordar ou discordar de várias declarações
que mediam sua tendência a acreditar no paranormal. Eles também foram
questionados se já tinham experimentado qualquer coisa que pudesse ser
considerada fora da realidade normal. Os pesquisadores também perguntavam sobre
o grau de exposição a programas de televisão que, normalmente, apresentam temas
desse tipo.
“Ficamos
impressionados ao perceber que os fenômenos ditos paranormais eram uma crença
muito comum entre os entrevistados. Por exemplo, mais de 50% acreditavam em
fantasmas e quase 45% disseram acreditar em extraterrestres”, conta. De acordo
com Sparks, o assunto não é algo novo na programação televisiva, mas a forma
como é retratado mudou. “No passado, os programas eram mais em tom de comédia.
Hoje, a tendência é levar a sério representações paranormais, tanto em seriados
quanto em documentários. Esses programas do tipo Mistérios não resolvidos
passam a impressão de serem bastante verdadeiros, porque não se apresentam como
ficção, mas como documentários educativos. É o que chamo de infoainment
(mistura das palavras information e entertainment; respectivamente, informação
e entretenimento, em inglês)”, diz.
Evolução
Para Bruce Hood, diretor do Centro de Desenvolvimento Cognitivo da Universidade
de Bristol e autor do livro Supersentido —por que acreditamos no inacreditável,
(Editora Novo Conceito), durante o período evolutivo das espécies, a mente
humana foi moldada para crer no sobrenatural. Isso porque as pessoas são
movidas por padrões racionais, como não pisar no fogo para não se queimar ou
olhar para os lados ao atravessar a rua para não ser atropelado.
Qualquer
coisa que fuja desse pragmatismo — coincidências, por exemplo — é interpretada
pelo cérebro como algo muito estranho. Se alguém tem uma doença tida como
terminal e consegue ser curado, a tendência é acreditar em milagres. Caso uma
pessoa pense em outra, o telefone toque e, do outro lado da linha, seja ela,
credita-se na conta da telepatia. “Da mesma forma, se há um barulho estranho e
não se consegue identificar a origem, logo pensamos que nossa casa está
assombrada. Esse é um terreno muito envolvente da pesquisa. Acredito que a
tendência é que, cada vez mais, apareçam estudos sobre o assunto”, diz.
ENTREVISTA
Michael
Shermer psicólogo, historiador e escritor Pelo caminho da desconfiança
Autor de 12 best-sellers sobre ciência, Michael Shermer
tornou-se, há três décadas, um especialista em investigar a crença no
desconhecido. Ateu convicto, ele já chegou a acreditar que tinha sido abduzido
por alienígenas, depois de uma situação de privação extrema de sono e
desidratação. Sem ridicularizar nem questionar a inteligência de pessoas que
acreditam no que prefere chamar de “esquisito”, ele aconselha que se duvide de absolutamente
tudo. “Seja cético, mesmo quanto aos céticos”, diz, em entrevista ao Estado de
Minas.
O Brasil é uma terra de misticismo, com forte influência do
cristianismo, do cardecismo e de rituais africanos. O senhor acha que seu livro
será bem recebido aqui?
Não sei se meu livro será bem recebido, mas ele certamente é
necessário e espero que os exemplos divertidos que exploro e o tratamento justo
e balanceado que dou para todas as alegações sobre o sobrenatural e as
superstições sejam considerados proveitosos para uma grande quantidade de
leitores desse país maravilhoso.
O senhor já se deparou com alguma situação que não conseguiu
compreender?
Sim. Lady Gaga. Não tenho explicação para ela. Ela é um
mistério envolto em uma tortilha, com uma dose de apelo sobrenatural (risos).
OK, falando sério, eu diria que a alteração dos estados de consciência, além do
livre-arbítrio, continua um mistério, sendo esse último o mais interessante e
importante de todos.
O que o senhor acha do fato de a parapsicologia ser reconhecida
pela Academia Americana de Ciências?
Há muito tempo que a parapsicologia não é mais considerada
uma área séria de estudo pela Academia Americana de Ciências. Eles aceitaram a
afiliação décadas atrás (em 1969), durante o auge do movimento new age e do
politicamente correto, quando era importante parecer acrítico e aceitar tudo de
todos. Pouquíssimos cientistas veem a parapsicologia como uma ciência séria.
Por quê? Depois de um século de experimentos, parapsicólogos têm quase nada a
mostrar sobre suas pesquisas. Está na hora de seguir em frente e se concentrar
nos grandes mistérios que já descrevi, como o estado de consciência alterada e
o livre-arbítrio.
Os crentes sempre citam os trabalhos do psicólogo Ian
Stevenson como uma justificativa para a reencarnação. O que o senhor pensa
sobre o trabalho dele?
Não acho nada demais. Muitos de seus dados vêm de relatos
pessoais de pais que gostariam de acreditar que seus filhos são especiais —
todos os pais querem acreditar nisso — e, uma vez que eles acreditam que seus
filhos são reencarnação de alguma pessoa que morreu e eles sabem quem é essa
pessoa, eles encontram provas que se encaixam nessa crença. Isso é o que
chamamos de viés de confirmação, quando vamos atrás e encontramos evidências
que confirmam aquilo em que já acreditamos, enquanto ignoramos provas que
mostram o contrário.
Hoje, com os avanços tecnológicos, é mais fácil desmascarar fraudes, como as de Uri Geller. O senhor acha que isso pode desencorajar pessoas que tentam enganar as outras com seus truques?
Hoje, com os avanços tecnológicos, é mais fácil desmascarar fraudes, como as de Uri Geller. O senhor acha que isso pode desencorajar pessoas que tentam enganar as outras com seus truques?
Não, acho que as fraudes continuam tão proeminentes e comuns
como sempre foram, e talvez mais ainda graças à internet, uma ferramenta que
pode servir para enganar as pessoas, fazendo com que acreditem em
reivindicações fantasiosas que você coloca em uma página da web. O que acontece
é que talvez estejamos mais vigilantes a respeito de vigaristas.
O senhor já duvidou de seu próprio ceticismo?
Você não deve acreditar em ninguém, nem em mim. Seja cético,
mesmo quanto aos céticos. Pense em você antes de acreditar.
Paloma Oliveira, Estado de Minas, 01/05
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