Com argumentos
inconsistentes e sem visão de futuro, Ocidente constroi um Estado de Mal-estar.
O que
estamos vivendo em todo o mundo, no contexto da crise financeira, é uma
transição – do Estado de Bem-estar social para um Estado de Mal-estar. Na
convenção do Partido Republicano, nos Estados Unidos, realizada em Tampa,
semana passada, aclamou-se um programa baseado na proposta de Orçamento
apresentada por Paul Ryan, o líder mais carismático da direita. Implica cortar
serviços públicos; reduzir maciçamente os impostos pagos pelos endinheirados e
grandes empresas; manter os que são exigidos dos setores médios e baixos.
Alega-se que, assim, será possível reduzir o déficit orçamentário
(principalmente através dos cortes de despesas) e estimular o investimento
(porque os ricos supostamente investiriam com o dinheiro disponível, o que
contraria a evidência empírica dos últimos vinte anos…).
Não se
trata, como sabemos, apenas de uma questão da política norte-americana. A
estratégia de Angela Merkel e dos demais governantes europeus – com o premiê
espanhol Mariano Rajoy pedindo que salvem o país (e a si mesmo) – não é
diferente. Trata-se de aproveitar o medo dos cidadãos para chegar ao poder;
fazê-los acreditar que precisam escolher entre austeridade e caos; e acabar –
com o apoio do empresariado sem visão de longo prazo – com algo que era marca
da sociedade europeia: o Estado de Bem-estar social.
É agora ou
nunca. É preciso parar de gastar com seguro-desemprego, porque beneficia jovens
vagabundos, sem respeito pela autoridade. Com os pacientes, porque consomem
remédios demais (e como as empresas farmacêuticas poderiam prosperar?). Com os
professores, que não desistem de ser educadores – em vez de meros gestores de
depósitos de crianças. E inclusive com funcionários públicos considerados
heróis da sociedade: bombeiros, policiais e demais agentes de segurança,
mal-pagos, maltratados e obrigados às vezes a prender pessoas com quem se
solidarizam.
Argumenta-se
que em tempos de crise não se pode manter esses luxos. Esquece-se que só é
possível sair da crise com produtividade e competitividade, o que requer
educação, pesquisa, serviços públicos eficientes. As contas de dona-de-casa do
premiê Rajoy não servem a uma economia moderna. O problema não é gastar mais do
que se recebe, mas gastar mal, ao invés de investir em recursos humanos e
empreendedorismo que pode melhorar a economia real e criar mais riqueza. Uma
estupidez percorre a Europa: a ideia de que o Estado de Bem-estar social é caro
e insustentável, porque o envelhecimento populacional significa menos
trabalhadores ativos e maior número de inativos (que estão mais caros, porque
não têm a decência de morrer quando devem…). No fundo, trata-se do triunfo de
uma mentalidade segundo a qual a vida é produzir e consumir. Sustento que se
trata de um absurdo, tanto em termos humanos quanto estritamente técnicos.
O Estado de
Bem-estar é a base da produtividade e da solidariedade social. No livro que
publiquei alguns anos atrás, com Pekka Himanen, sobre o modelo finlandês,
mostramos como a produtividade e competitividade da Finlândia – uma das mais
altas na Europa, e superior à alemã – baseava-se na qualidade de capital
humano, da educação, das universidades, da pesquisa. E também da saúde pública
(sem corpore sano não há mens sana).
Nestas
condições, surge um círculo virtuoso: o Estado de Bem-estar social gera capital
humano de qualidade, que gera produtividade, que permite financiar sobre bases
não inflacionárias o Estado de Bem-estar. Se as partes se desconectam, o
sistema afunda. Porque o argumento do suposto desencontro entre trabalhadores
ativos e inativos, que inviabilizaria uma Previdência digna não leva em contam
fatores essenciais. Por exemplo: o importante não é o número de pessoas que
sustentam o sistema, mas a produtividade gerada por eles para custear o apoio
aos aposentados. Se, além disso, os benefícios sociais forem oferecidos por um
Estado de Bem-estar dinâmico, apoiado nas tercnologias de informação, os custos
são reduzidos. De modo que é os benefícios são perfeitamente sustentáveis,
desde que ampliem a produtividade da economia, e diminuam a ineficiência no
Estado não por meio do desemprego – mas de uma modernização organizativa e
tecnológica do setor público.
Mas há algo
ainda mais importante. O Estado de Bem-estar social não foi um presente de
governos ou empresas. Resultou, entre 1930 e 1970, de potentes lutas sociais,
que conseguiram renegociar as condições de repartição da riqueza. Estabeleceu,
como resultado, uma paz social que permitiu concentrar esforços em produzir,
consumir, viver e conviver. Agora, questionam-se as bases desta convivência.
Péssimo cálculo. Porque a destruição deliberada do Estado de Bem-estar social
conduzirá ao surgimento de um Estado de mal-estar de perfis sinistros. E isso
não acaba assim. Novos movimentos estão se gestando, unindo indignados e
sindicatos. Daí poderão surgir um novo Estado e um novo Bem-estar
Manuel Castells,
Outras palavras,
Nenhum comentário:
Postar um comentário