Os bons não estão só de um lado, nem os maus. O ser
humano é complexo, mas vale a pena
Gente existe que pensa que tem o rei no umbigo. Anda pela vida como se
fosse o maioral, um deus a quem todos devem reverência. Pisa em quem estiver à
frente, o que importa é que seus desejos sejam satisfeitos. Houve um tempo em
que pensei que isso fosse exclusividade do capitalismo, que exacerba o
individualismo e a competição desenfreada. Aprendi que não importa o nome do
regime e que por baixo de discursos de desprendimento e compreensão coletiva se
escondem farsas, mentiras e violência. É fácil amar a humanidade, essa
abstração presente nas palavras dos sinceros e dos demagogos. Difícil é, no dia
a dia, no cara a cara com as pessoas, respeitar de fato as pessoas com quem
convivemos nos lugares em que realmente habitamos: a casa, a rua, nossa cidade.
Fala-se muito que padecemos de uma herança colonial que acostumou os que
eram, e ainda se sentem, senhores a mandar e desmandar de acordo com sua
conveniência. E que nem a independência e a proclamação da República apagaram
essa mácula que nos acompanha até hoje. A igualdade de todos perante o coletivo
se apaga, o sociólogo Roberto da Matta nos lembra sempre, diante da frase
abominável que ainda se ouve, infelizmente, em nosso país: “Você sabe com quem
está falando?”. Quem diz isso é um idiota, que não compreende sua
insignificância diante dos semelhantes e, muito mais, diante da vastidão do
planeta, que é um grão de areia em relação ao que conhecemos do universo.
Sabemos de inúmeros exemplos de pessoas que se dedicam à solidariedade, à ajuda desinteressada aos outros. Eles são essenciais, embora pareça uma ilusão a ideia de que algum dia, pela tecnologia e pelo esforço de todos, se chegue a uma desigualdade menor, uma igualdade possível. Mas vamos, cada um, fazendo a sua parte. Nas relações do dia a dia em casa, no trânsito, no trabalho, na escola. E é necessário que se lembre que a generosidade que existe no mundo vem muito mais de pessoas comuns, aquelas que vivem e sofrem o mesmo que seus vizinhos. Não de quem quer se promover, sair nos jornais e postular posições na política ou na sociedade.
Os egoístas são falastrões e pretendem ser os eternos mandões, mesmo que seu mandato tenha se encerrado e, mais importante, que ele seja apenas mais um na multidão. A democracia é o poder de todos, e ninguém manda em ninguém. Os solidários entendem isso, mas preferem se calar por recato. A cultura, tão desprezada por nossos governos, nos traz sensibilidade, aguça a inteligência, abre caminhos para que compreendamos melhor o barro de que somos feitos. A razão e a falta dela estão com o Oriente e o Ocidente. Os bons não estão só de um lado, nem os maus. O ser humano é complexo, mas vale a pena.
Fernando Brant, Estado de Minas, 19/09
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