adoraria que fosse possível viajar no tempo e voltar para épocas anteriores de minha vida. Ingenuamente, imagino que, em vários momentos do passado, eu teria me beneficiado de algo que sei só agora. Quem melhor do que eu aos 50 ou 60 anos para aconselhar uma versão mais jovem de mim, a de dez, 20, 30 anos atrás? Hoje, enfim, meço as consequências de algumas escolhas antigas. Sei (ou imagino) que teria sido melhor me separar logo daquela pessoa e nunca me afastar de outra, que era insubstituível e que eu perdi; sei (ou imagino) que poderia ter evitado riscos inúteis e me exposto a outros dos quais fugi; sei (ou imagino) que deveria ter insistido quando desisti e desistido quando insisti. E, para quem pode viajar no tempo, nunca é tarde para salvar Inês.
Hoje, mais
velho, quando volto a lugares do passado, sempre os encontro assombrados, como
se minha história ainda estivesse por lá, suspensa, na espera de uma solução
alternativa à que se realizou na época. Me dei conta disso quando, pela
primeira vez, morreu alguém que tinha sido minha companheira. O luto foi
violento, igual ao que seria se minha história com ela nunca tivesse acabado. Como
podia ser? Se passaram tantos anos sem eu pensar nela... Por que esta dor
agora? Era como se, com a morte dela, acabassem as chances de dar àquela
história um desfecho outro, como se só com a morte dela o passado se tornasse
realmente passado.
Seja como for, por ser um fã das viagens no tempo, não podia perder "Looper - Assassinos do Futuro", de Rian Johnson, que estreou na sexta passada. No filme, daqui a 30 anos, as viagens no tempo serão possíveis e proibidas. A máfia instalará seus assassinos, os "loopers", no passado (ou seja, numa época mais permissiva); e para esses assassinos ela despachará as pessoas que deseja eliminar, para que sejam mortas. Um dia, um assassino descobre que o condenado, que ele recebe do futuro, é a versão mais velha dele mesmo. Será que o jovem "looper" vai querer poupar sua própria vida? Não é óbvio: afinal, matar a nós mesmos daqui a 30 anos é parecido com fumar e comer toucinho. Esse cara, 30 anos mais velho do que eu, será que ainda sou eu? E será que alguém aos 20 ou aos 30 escutaria o que sua versão de 60 anos tentasse lhe dizer? Ou será que, para mim aos 20, eu seria hoje apenas mais um velho chato qualquer? Questão antiga: fora nossa identidade jurídica, que permanece igual, será que, ao longo da vida, somos a mesma pessoa?
Seja como for, por ser um fã das viagens no tempo, não podia perder "Looper - Assassinos do Futuro", de Rian Johnson, que estreou na sexta passada. No filme, daqui a 30 anos, as viagens no tempo serão possíveis e proibidas. A máfia instalará seus assassinos, os "loopers", no passado (ou seja, numa época mais permissiva); e para esses assassinos ela despachará as pessoas que deseja eliminar, para que sejam mortas. Um dia, um assassino descobre que o condenado, que ele recebe do futuro, é a versão mais velha dele mesmo. Será que o jovem "looper" vai querer poupar sua própria vida? Não é óbvio: afinal, matar a nós mesmos daqui a 30 anos é parecido com fumar e comer toucinho. Esse cara, 30 anos mais velho do que eu, será que ainda sou eu? E será que alguém aos 20 ou aos 30 escutaria o que sua versão de 60 anos tentasse lhe dizer? Ou será que, para mim aos 20, eu seria hoje apenas mais um velho chato qualquer? Questão antiga: fora nossa identidade jurídica, que permanece igual, será que, ao longo da vida, somos a mesma pessoa?
Nesse fim de semana, no festival de cinema do Rio, assisti a "Camille Outra Vez", de Noémie Lvovsky, título original "Camille Redouble" (não sei quando o filme será distribuído no Brasil, mas conto com o cinema Reserva Cultural, que, em São Paulo, para quem aprecia cinema francês, é uma dádiva). No filme, Eric e Camille ficaram juntos a vida toda. Mas Eric acaba de deixar Camille por uma mulher mais jovem (e talvez menos beberrona). No Réveillon, Camille desmaia e acorda aos 16 anos. Ela reencontra seus pais, as amigas da escola e, sobretudo, Eric, pois é bem naquela época que eles se encontraram. Claro, Camille quer mudar o curso de sua vida (não namorar Eric) para evitar a dor futura da separação. Mas o fato é que muitos amores são como a vida: eles valem a dor que seu desfecho triste nos dará eventualmente um dia.
Contardo Calligaris,
Folha de São paulo, 04/10/2012
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