Na quarta da semana passada, assisti ao primeiro debate entre Barack Obama, presidente dos EUA, e Mitt Romney, o republicano que disputa com ele a Presidência. A atitude quase deprimida de Obama contrastava com a performance de Romney, que, inesperadamente (para quem o viu anteriormente), parecia confiante, bem-humorado e até capaz de compaixão. Não há quem discorde: Romney ganhou o debate. Mas cuidado: isso não significa que ele demonstrou a superioridade de suas propostas. Um debate eleitoral não compara as diferentes soluções aos problemas do país -até porque, nele, para uma maioria na qual me incluo, muito do que os candidatos dizem é imponderável. Obama e Romney travaram, no debate, uma guerra de argumentos e números impossíveis de serem verificados.
O único componente mais ou menos racional da escolha vem da tradição política do eleitor (prefiro Obama porque sou democrata). Mas o que acontece na ausência dessas preferências políticas preestabelecidas? Pergunte aos marqueteiros, que, cá entre nós, não são misteriosos "persuasores ocultos" (como dizia o título de num livro clássico de Vance Packard), mas apenas conhecedores dos diferentes caminhos pelos quais um produto nos seduz. Tanto faz que seja o tom, o sorriso confiante, a familiaridade ou, às vezes, seu contrário, a distância: de qualquer forma, nossa preferência será o efeito de retóricas pela quais, em tese, devemos ser conquistados.
Durante a campanha paulistana, por duas vezes, um caminhão com alto-falantes e bandeiras ao vento se instalou na av. 9 de julho, a duas quadras de meu escritório e, durante horas, não tive como escapar à idiotice de um jingle "O meu prefeito é Fulano...". Pensei: se estivesse nos EUA, poderia folhear um catálogo de rifles de longa distância. E depois, mais seriamente: mas por que fazem isso? Quem vota em alguém por um jingle? Pois é, esse segundo pensamento não percebe algo essencial: numa campanha, seja ela paulistana ou norte-americana, todos os candidatos não passam de jingles. Os argumentos numéricos e aparentemente racionais do debate presidencial dos EUA eram pretextos para trejeitos retóricos "à la Tiririca". Desses, se espera que eles nos conquistem -isso, sem nenhuma crítica ao deputado Tiririca, pois, ao contrário, o que estou afirmando é que, no fundo, todas as campanhas são equivalentes à que ele fez.
Nesse contexto, alguns candidatos pedem que a coisa mude e todos discutam seriamente os problemas e as propostas. O que resulta disso é apenas mais um trejeito, que diz "Olhem para mim, sou sério, e é disso que vocês vão gostar". Enquanto essas divagações me distraiam do debate, pensei num título para um livro sobre Obama (copiado de Peter Handke, "O Medo do Goleiro na Hora do Pênalti"): a tristeza do candidato na hora de debate. Mais tarde, Obama disse ter sido desconcertado pelas mentiras de Romney (o qual, no debate, mais de uma vez, disse o contrário do que ele e seu partido tinham proposto até então, durante a campanha).
Imagino que essas mentiras tenham desvendado, aos olhos de Obama, a vaidade do processo.
Obama é um
racionalista, centrista por ser um defensor quixotesco das virtudes do diálogo,
como se não existissem inimigos, apenas mal-entendidos. Parece que, debatendo
com Romney, ele sentiu a quanta distância ele estava da racionalidade
discursiva. Talvez ele tenha encarado, de repente, a essência inevitavelmente
irracional do processo eleitoral democrático. E tenha se perguntado: mas o que
estou fazendo aqui? Durante minha graduação, na Suíça, fui bolsista pelo boxe.
Perdi uma final nacional, em São Galo, porque, no meio da luta, não entendi
mais por que eu estava lá e porque eu estava batendo naquele estudante de
Berna. Não foi uma reflexão pacifista. Apenas pensei: que palhaçada, eu não
preciso disso, vamos acabar logo e voltar para casa. Perdi. Espero que Obama se
recupere a tempo.
Contardo Calligaris,
Folha de São Paulo, 11/10/2012
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